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Mostrando postagens de agosto, 2020

A estante

Foram demasiados anos a não poder tocar naquela estante. Cada lombada. Cada folha desalinhada. Não havia ordem para abrir a porta envidraçada que fechava os segredos daquela casa. Os sinos da capela da quinta tocaram pacientemente. A aldeia soube. O Senhor morreu. As carpideiras e os véus negros, enraizados no povo, desfilaram debaixo das arcadas graníticas. Sara subiu as escadas, sorrateiramente. Entrou na sala dos livros. A sua inquietude de menina voltou. Rapidamente rodopiou nas memórias, nas tentativas de perceber. O avô nunca deixou. O pai nunca permitiu. Sara sempre fora afastada violentamente das reuniões familiares. Sempre que tentava entrar, a porta era fechada. Tinha dias que não dormia. Passava as noites em claro. Sentia que ela era o assunto. O avô, o pai e o tio. Sentia o peito apertado. Gritava por dentro a raiva que lhe assombrava os dias. Não ousaria sequer fazê-lo ao pai ou ao avô! Agora, que o corpo ainda era vigiado pelas vel