Gata branca e preta
A voz é som de fundo. Cada frase. Há um sussurro que se afasta. Ele fala. Desabafa as razões que lhe fizeram a mágoa sobressair. Nunca viveu nada assim. Nunca sentiu a dor a dilacerar as artérias como agora. Eu ouço. Mas não escuto. Eu olho. Mas não vejo. A colher lenta gira na caneca de chá que evapora. O perfume da hortelã inebria-me. E eu fujo. Os olhos verdes terra cansados seguem a luz tardia. Mais um dia que finda. Pelo vidro orvalhado de poeira, cismo nas nuvens de tom alaranjado que se erguem sobre os telhados. A melhor hora para fotografar. Volto aos telhados. A gata branca e preta desenha um perfil perfeito de felina caçadora. Na beira do telhado, segue com destreza ocular, um pássaro que entra e sai da laranjeira em pequenos voos de gazela. Voa a gata e apanha o pássaro. Caiem os dois, dançando, no chão de terra viril, enrolados nas ervas frescas e floridas de lilás e laranjas românticos. Eu sinto. O olhar que me foge para o p