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Mostrando postagens de agosto, 2017

Teresa

"- Como é que vou viver sem ti?" "- Não vives, ora!" Um "buenos días, compañeros" em tom elevado foi o mote. O sorriso estridente da manhã embalou toda a sala de professores. "Quem é a fulana que entrou com demasiada energia matinal na sala?" "Quem começa o dia desta forma irritante?" Soube destes pensamentos meses mais tarde. Já a cumplicidade desta amizade se havia instalado. Não tenho razões claras nem concretas para perceber como isto é. Amizade. Amistad. Friendship. A três línguas. O português é nosso, o espanhol é meu, o inglês é dela. Olhas e percebes. Olhas e vês. Olhas e sentes. Não se entende com palavras. A confiança de ambas parece natural. Do norte com berço, ao centro temperado. Nada se escolhe. Recebe-se. Ela é assim. Mulher direta. Nada por dizer. Claro como água. Perspicaz. Sincera. Decidida. Todo um oposto. Parece que um karma lhe assenta e lhe traz luz. Poucos meses nos chegaram. Nada é ao acaso.

A negro

E num esgar, de rugas ao sol expostas, sai-lhe a gargalhada acutilante de quem a vida ensinou mais que os bancos travessos da escola. Não foram muitos os dias em que se sentou naqueles bancos. Menos foram as horas que teve para nascer. Lá, onde os ecos redondos da sua idade marcam os 97 anos, traz o peito liso ao mundo. Naquelas auréolas, secas pelo tempo, mamaram 9. 5 dela. 3 da vizinha que era seca. 1 da irmã que morreu no parto. Do sobrinho que se fez filho. Chama-lhe seu. O manto negro que lhe cobre as costas. O lenço negro que na cabeça se enlaça. A saia. A blusa. O avental. As meias. As tamancas de rasto de madeira de vimeiro, talhadas pelo tempo, moldadas pelo pé. Não aderiu nunca ao calçado moderno. Ninguém lhe acerta o pé. Respingou um não aquando do casamento do sobrinho aos sapatos que as filhas lhe trouxeram de Paris.      "-Oh mãe, trouxe isto com tanto amor!"      "- O amor está nos abraços e nos afetos. Não nos sapatos finos! Comem-me os pés

Aos amigos!

Pego num verso de uma música moderna. Porque a amizade é assim, pelo menos para mim! É num instante de balões cheios a rebentar no colo. É num instante de uma mesa farta de aconchegos do coração. É num instante de conversas regadas do melhor de Melgaço e Monção. É num instante de músicas de rádio que abanam os nossos melhores esqueletos, pesados pelas idades mas que rejuvenescem ao ritmo dos filhos que vemos crescer. Porque a amizade é assim! Um dia de piscina com uns. Um dia na praia com outros. À mesa com todos! No coração, uma alma cheia de risos gargalhantes, frisados ao ritmo das melodias da moda. Porque nós, os que sabemos quem somos, respeitamos e aceitamos, somos e vivemos. Não há desprezos inúteis. Não há horas tardias. Não há dores de almas. Chegamos. Abraçamos. Reunimos. Gostamos. Ficamos. Somos.

A pele dourada pelo tempo de estio brilhava ao lume da fogueira. A luz, refletida pelo fogo, trazia à memória a saudade. O tempo voou dos seus pés de fada, de pele amaciada pelo passar das mãos ásperas. Não poderá esquecer cada momento. Não poderá reviver cada toque. Quem lhe trocou as voltas das saias, fugiu. Refugiou-se no seu tempo. Não é o lavar das cestas que faz a vindima. Por entre folhas de cores vibrantes outonais, ela lavou o rosto com as lágrimas. Puxou ao cérebro o pior dos sentimentos. Mas aquele pequeno comboio do poeta não deixou entrar passageiro tão doente. O enfermo fica lá, no alto do corpo dormente. Não entra em casta tão pura. Uma uva assim não traz nada de bom ao vinho. Em cada paisagem recolhida na retina há o tempo. Em cada movimento encenado na cama há o corpo. Em cada gole de vinho há amor. Eles crescem. Não é por aqui estarem que padecem. Longe. Onde tudo não começou. Lá, bem longe. Por passar as tormentas de um cabo sem mar. Ali, na fogueira

Palavras engarrafadas

O telemóvel tocou. O ecrã, sujo pela base da sua pele, mostrou  o nome. Sabia-o de cor. Não precisaria de ver porque já o havia sentido. "Sim?" "Olá, sou eu!" Parou, respirou e sentiu. "Estás bem? Desde o mês passado que nada me dizes. Como estás?" Respirou mais fundo. Sentiu ainda mais fundo. O acaso teria levado muitos dias a que tudo se encontrasse desta forma. O aroma que lhe restava da sua pele. O toque dos seus cabelos. Num passado que não se vê ou se sente. Num momento que não aconteceu. Num respingar de gotas de suor que não surgiram. Num abraço denso que não se encontrou na despedida. Ela desligou. Não queria saber, não queria ouvir. Mas sentiu. Voltou o olhar para o infinito que a percorria nas lágrimas. "Tens uma pele tão macia. Apetece beijar cada milímetro. Devias engarrafar o teu cheiro e vender como perfume. É tão teu, tão único, tão perfeito!" As palavras poderiam ser engarrafadas também. Lançadas ao vento e arrem

Pelos livros

Os dedos simples deslizavam por entre páginas esquecidas de livros perdidos no tempo da memória familiar. Aquele parágrafo que surgiu da odisseia de palavras corroídas pelo tempo, atrapalhou o sensível toque dos dedos amaciados pelo creme da moda. Parou! Voltou ao início da página. Olhou com tremor ocular as letras perdidas e gastas. Rectificou o gesto lento indicativo daquele dedo. Mergulhou. Seriam assim as doces e ternas palavras que ele tinha escrito na conquista da sua alma. Perdoou cada falta de originalidade. Declarou ao seu peito cada arrepio que brotou daquelas linhas. Os pêlos dos braços lentos, ergueram-se, um depois do outro, com todo o cuidado que aquela pele bem hidratada lhe pede. Por loiros, naquela pele morena do bronze natural de praias recônditas, saíram em seu auxilio os poucos que das pernas voltavam a ganhar vida. Ele era assim. Imprevisível! Roubou ao poeta o sentido da vida. Elevou ao cume das sensações o viril momento do pedido. Sussurrou o desfiar

Areias

Não sabemos o que a vida tem reservado para cada um de nós. Há aqueles que a praia lhes moldou a infância. A mim, não! Poucas foram as areias que os meus pés pisaram na meninice. Talvez por isso, nunca achei gostar de praia. Talvez por isso, nunca me achei no direito de viver a experiência que tantos apaixona. Cresci. Nem dei pela falta do mar de verão. Nem dei pela ausência dos grãos de areia entre os dedos dos pés. Nem dei conta da falta que o aroma de coco do protetor solar me fazia. Fui passando por entre os anos de ausência desses dias. Fui roendo a corda aos convites. "No inverno, sim, gosto mas no inverno!" A resposta era sabida de cor a cada admirada face perante a mesma. 35. Sentir crescer. Ver crescer. Porque não? A da Costa não tem grande confusão! Pensava a multidão como a causa. Fobia a estar rodeada de muita gente, não querer ser vista. Complexada! Eureka! A luz do sol irradiou uma análise com baixa vitamina D. Ordem médica. Porque não? Experim

Dedos das mãos

Lá porque sabemos de quem gostamos, por quem nutrimos sentimentos, nada implica a reciprocidade. Há, apenas um sentimento, que só existe nessa condição: a amizade. Eles passam dias, meses e até anos sem se verem. No outro dia, de curvas quentes no horizonte, nenhum encontrou o outro. Sabem-se de cor. Acarretam em si mesmos a certeza de que o outro está lá. Mas, e quando isso desaparece? Quem garante, neste mundo aturdido de estímulos, que ela continua a existir? Enganam-se as almas que se querem deixar enganar. Apenas isso. Mas, para quê? Não se vale na pena. Uns sentem-na, uns vivem-na, outros, esses, eternos donos da sua vã esperança, esperam-na. Outros há que a transformam. De amigos a irmãos. Ainda há dedos para poder contar.