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Mostrando postagens de outubro, 2017

O Pinhal

Este texto é uma fotografia que vocês não vêem. Aqui, junto ao monte de areia coberto de caruma, estou eu.  Em pé.  Feita menina grande que cresceu pouco.  Calça curta. T-shirt branca com desenhos esquecidos pelas lavagens.  Viria já de outra prima mais velha, certamente.  Cabelo curto, de rapaz feito o corte, louro. A manta que no chão recebe o lanche é aos quadrados vermelhos e castanhos.  Tem um remendo no canto esquerdo inferior.  Não se vê na fotografia. O meu avô tem as pernas estendidas sobre ele.  Tem uma camisola castanha.  Três botões.  Dois mal abotoados.  A boina, de xadrez muito pequeno que lhe cobre a careca de tantos anos, está de lado. A minha avó, pequena e roliça, ao lado dele.  Sentada.  Fora da manta.  Está de preto vestida. O irmão morreu há pouco tempo.  O seu ar de mulher trigueira e perspicaz está lá. Do lado esquerdo desta fotografia, está a minha mãe.  Com bata cinzenta e botas duras.  Vislumbra-se, desfocada, a traseira da

Boneco

Quantas são as vezes que nos enganamos? Conhecemos. Julgamos conhecer e acreditamos. Há tanto para dizer, para contar. Ou porque correu bem. Ou porque correu mal. Ou porque se viu. Ou porque se sentiu. Mas, tu sabes que não é assim. O teu mundo desaba em confianças trocadas. Percebes que ainda é mais grave quando pior do que perder é sentir. O boneco caiu. A mão segura que o levava naquela caminhada deixou-o cair. Largou-o. Assim. Simples. A mão já não dá a confiança necessária... treme e deixa cair. Não levanta o boneco. As primeiras chuvas de outono trarão a lama e apagarão aquela imagem. - Disseste adeus ao teu boneco? - Não. Não tive coragem de ser crescido. Abandonei-o. - Mas ele foi o teu verdadeiro amigo enquanto esteve contigo! - Sim, mas eu só precisava dele para me aconchegar. Agora já não me faz falta. Deixa-o aí. - Tu é que sabes. Mas o boneco vai sentir a tua falta. - Isso é um problema do boneco. E no chão, esperando as chuvas de outono, os olhos esbranqui

Porta

A porta entreaberta esperava a mão ansiosa. Abriu.  Entrou.  Meticulosamente, sem rasgos de ruído, fechou-a. Arrebatadoramente, agarrou-a pela cintura e sorveu-lhe os lábios. "Deixas-me tirar ao menos o casaco?" Sem descolar o beijo visceral, sussurrou um "não, eu tiro". E aquelas mãos, que momentos antes suavizaram o bater de porta, percorreram todo um fecho éclair, de cima a baixo. Prenderam o pescoço delineado massajando as orelhas aristocráticas. Mas os lábios, não se desprendiam e sorriam ao mesmo tempo. De um gesto eficaz, caiu o casaco ao chão. Com um toque de dedos simples, de apenas uma das mãos, os colchetes do soutien, que debaixo da camisola se escondiam, separaram-se, de forma exata. A perícia daquele tempo não descuidou a mão esquerda, que suavemente massajava a nuca rendida ao êxtase do momento.